Você está vivendo na sociedade da aceleração – e isso pode estar lhe corroendo
“A sociedade do desempenho, pelo contrário, gera depressivos e fracassados” – Han Byung-Chul
Ter um momento da rotina em que lhe permita tirar um tempo para descansar os olhos das mídias sociais e da pressão criada em cima de realidades, em sua maioria, inalcançáveis, se tornou um privilégio que não conseguimos usufruir como queremos atualmente — e estar conectado com diversos conteúdos para não se sentir atrasado é algo que lidamos desde então.
Essa semana, estaremos há cinco anos desde que vivemos momentos amedrontadores causados pela pandemia e, desde então, ainda sinto como a sociedade carrega fardos deixados por ela quando se trata de aceleração. Veja bem, você provavelmente está lendo esse texto e chegará uma notificação no celular, alguma mensagem lhe fará lembrar você de desligar o celular e terminar seus deveres; enquanto você está lendo, possa ser que sua mente esteja em algo que esqueceu de fazer no trabalho e isso poderá lhe perturbar pelo resto do dia. Se você não acompanha o ritmo dos outros ao seu redor, se não está acompanhando as tendências que surgem a cada 24 horas, então você está estagnado no tempo.
Quando estava na faculdade de Psicologia, estudei um autor que admiro por suas obras e influenciou na forma como enxergo a dinâmica social: Han Byung-Chul, o filósofo sul-coreano é famoso por sua obra “Sociedade do Cansaço” (2010), onde ele comenta sobre estarmos vivendo em uma sociedade fascinada por produzir e o que realmente dignifica os indivíduos é a sua performance, valorizando aqueles inquietos e hiperativos que se arrastam diariamente numa rotina produtiva ao realizar múltiplas tarefas. Essa sociedade, então, é marcada por um elemento constitutivo dos excessos da vida contemporânea que aumentam a complexidade da condição atual — a aceleração.
Durante o período de pandemia, convivemos constantemente com as mídias sociais praticamente por 24 horas – e não tenho como exagerar nisso. Bastava você entrar na conta de alguém que ansiava em ser o novo influencer do momento e você conseguia ver diversas postagens sendo publicados com um intervalo de poucas horas. Estávamos estimulados a consumir conteúdos a cada minuto, adaptarmos a tendência daquele momento antes que pudesse ser substituída por outras e, claro, éramos obrigados a ter uma rotina que fosse a mais produtiva possível enquanto estivéssemos em casa, pois aquilo era o ideal.
Você precisava ser produtivo e se orgulhar de riscar sua lista de deveres no final do dia, ainda que estivesse mentalmente esgotado e implorando por ajuda em seus olhos, porque o importante era ter cumprido aquilo e esperar o próximo dia para mais uma corrida de quem produzia mais.
Numa era onde estamos inevitavelmente conectados, podemos perceber nossa inserção numa aceleração social, esta que promove a separação da experiência em relação às expectativas do indivíduo, ou seja, se você é incentivado a realizar diversas tarefas simultaneamente com a preocupação de que “preciso acompanhar o ritmo daqueles ao meu redor para não ficar para trás”, o resultado disso é o esvaziamento da experiência. É como uma corrida, onde as pessoas visam apenas a linha de chegada, mas não em como vão lidar com todo o processo até lá. O que acontece, então, é que a experiência da ação e os estilos de vida perdem sentido nos intervalos de tempo cada vez menores, e passamos a lidar com a constante percepção de falta de tempo.
Aceleração Social — “um completo caos”
Para quem acompanha o mundo da moda, pode lembrar disso com o desfile da AVAVAV em 2023, durante o Milan Fashion Week, onde a marca trouxe os seus modelos para desfilarem correndo, com roupas incompletas ou vestindo as peças enquanto corriam. Na época, todos nomeavam o desfile como um “completo caos” até perceberem a verdadeira crítica da marca ao impor sobre vivermos em um mundo tão acelerado que não havia tempo para criar novas peças ou explicar sobre elas, pois precisavam estarem acompanhando as demais tendências e, assim, não havia tempo para uma elaboração e aproveitamento daquela experiência.
Quanto aos áudios ou de vídeos que passamos a acelerar para poder ouvir o mais rápido possível? O mesmo vale para o quanto o aplicativo Tiktok passou a influenciar na indústria musical, quando as músicas foram reduzidas para 2 minutos (algumas até com menos disso) e aquelas com mais de 3 minutos se tornaram longas demais. Quantos artistas passaram a lançar diversas músicas, uma seguida da outra, pois estar viralizando era o mais importante no momento e não poderiam deixar de sair dos destaques. Porém, deixo isso para uma futura discussão.
Todos gostam quando conseguimos cumprir nossos objetivos diários e podemos, finalmente, riscar aqueles quadrados que faltam na lista. Como resultado, ficamos obviamente motivados a continuar assim. Todavia, o que seria essa vida baseada em produtividade e, consequentemente, positividade por alcançar uma quantidade maior de realizações, resulta num adoecimento psíquico no meio social, nomeada de “Sociedade do Cansaço”.
Muitos que estão começando um blog nesse momento podem estar pensando, depois de publicar um ou dois textos, que precisam escrever mais ou não vão obter o retorno baseado nas expectativas criadas. Buscam anotar ideias e, no final do dia, poder ter alguns parágrafos salvos. Porém, se não fizerem isso, sentirão sufocados com a ideia de que não vão conseguir acompanhar os demais. Estar em uma constante corrida, levada pela sociedade da aceleração, impede de reconhecermos o verdadeiro prazer que podemos ter em escrever e expor nossas ideias constantemente silenciadas — o mesmo vale para outras redes sociais e, principalmente, para nossa vida.
Convivendo com pessoas de 20 anos, percebemos que nos colocamos constantemente nessa corrida. Somos obrigados a ter uma vida previamente elaborada, a obter conquistas o quanto antes e nos compararmos com outros nessa mesma faixa etária. Se não consumirmos determinada quantidade de conteúdos, se não estivermos com diversos certificados acumulados que provêm nossa capacidade, não obteremos destaques em uma sociedade que exige o seu desempenho. Você não se torna alguém, então.
É um modelo de sociedade que reflete ideais voltados para a hiperprodutividade e excesso de atividades, pontuada na normalidade de se estar constantemente positivo e reproduzir esse mesmo comportamento. É reproduzido um modo de vida que desconsidera a potência produtiva da raiva, tristeza, e outros estados emocionais vistos pelo viés do desempenho como negativos para a produção —, pois este desânimo e cansaço não é algo que lhe fará ser bem sucedido! E eles precisam que estejamos a sorrir independentemente do caos mental acontecendo.
Enquanto escrevo, não tenho dificuldade em admitir que vivo em uma sociedade da aceleração e isso também está me corroendo, pois, no final do dia, a minha mente também torna-se mais uma vítima dos sintomas da “Sociedade do Cansaço”. Em Psicologia, aprendemos como é importante lidarmos com o equilíbrio em nossas vidas. Assim, ao invés de sujeitos com desempenhos sempre crescentes, a demasiada autocobrança resulta num cansaço psíquico, mas continuamos a propagar que “o normal seria idealmente aquele desempenho uma vez já não alcançado”.
Você está vivendo numa sociedade do cansaço e isso pode estar te corroendo. Por conta de uma sociedade movida pelo imediatismo, e em uma competição inconsciente de quem está na frente, pela necessidade de estar sempre à frente somos cobrados a fazer sempre mais, quantos de nossos pequenos prazeres de vida tivemos de deixar de lado para estar acompanhando um movimento que corrói a alma daqueles que se tornaram vítimas e, claramente, contribuidores dessa sociedade? Como dito por Han Byung-Chul, “A sociedade do desempenho, pelo contrário, gera depressivos e fracassados”.
Este post te dedica as seguintes músicas:
Strange (feat. RM) – Agust D
Happy Nation – Ace of Base
Isso deveria ser mais falado na sociedade, o ato da perfeição em tudo tá gerando um caos e muita esgotamento mental. Parabéns! amei muito tudo.
Esse texto foi um soco de realidade. A gente realmente vive nessa corrida maluca, achando que precisa estar sempre produzindo para valer alguma coisa. No fim, acabamos esgotados e nem sabemos mais por quê. É bom ter reflexões como essa para lembrar que desacelerar também é necessário.